© Fabio Giannelli
Zona secreta, solidão onde se refugiam os seres - e as coisas -, é ela que dá beleza à rua: por exemplo, se for sentado basta olhar pela janela. A rua cede o que o autocarro devassa. Sigo demasiado depressa para ter tempo de reter rostos ou gestos, a velocidade exige do meu olhar igual velocidade, e por isso nem um rosto, um corpo, ou atitude sequer, me esperam: tudo está ali a nu. Registo: um homem enorme, curvado, muito magro, peito escavado, óculos, o nariz comprido; uma dona-de-casa gorda caminha lentamente, pesada, triste; um velho sem graça, uma árvore solitária, ao lado outra árvore solitária, e outra...; um empregado, outro, uma multidão de empregados, a cidade inteira cheia de empregados curvados, todos juntos num pormenor que os meus olhos registam: bocas crispadas, ombros caídos...uma a uma, talvez devido à velocidade dos meus olhos e do veículo, as suas atitudes ficam rabiscadas tão depressa, tão rápido surpreendidas em seu arabesco, que cada ente é-me revelado no que tem de novo e insubstituível - invaravelmente uma ferida - graças à solidão onde essa ferida os coloca e eles mal reconhecem, se bem que todo o seu ser aí flua. Atravesso assim uma cidade esboçada por Rembrandt, com cada qual e cada coisa fixos numa verdade que dispensa beleza plástica. A cidade feita de solidão.....solidão como eu a entendo, não designa estatuto de miséria mas secreta soberania, nem profunda incomunicabilidade mas conhecimento mais ou menos obscuro de uma singularidade intocável.
Jean Genet, in O Estudio de Alberto Giacometti, pp. 34,-35
10 comentários:
Este era masoquista? lolol :)
Beijinho e bom domingo
Muito curiosa a relação do texto com a fotografia.Fragmentos suspensos no meio do rodopio.
um beijinho
Fantástico o seu post. Há um enriquecimento mútuo (fotografia e texto) com um resultado magnífico. Parabéns.
Gi.
hermosa cita.
y coincido con JMV,con respecto a la imagen.
1 beso enorme, desde aqui del Sur, del confin del mundo
Vim aqui para lhe agradecer a sua visita em meu blog. Obrigada por suas palavras. Gostei deste seu espaço também. É profundo. Ainda estou pensando sobre a solidão como "conhecimento obscuro de uma singularidade intocável". Frase linda, de impacto e que nos leva a grandes reflexões. Grande abraço.
Amiga Gisela, permita-me pensar que nas singularidades possa ressurgir o tato esquecido entre seres refugiados... Em si mesmos.
Ótima postagem! Um beijo!
Tem um selinho de presente pra você no meu blog. Beijos.
Olhos que registam com acutilância e sensibilidade. Uma bela fotografia a ilustrar o texto.
Um beijo enorme, Gisela.
Gisela muito interessante o seu post
Beijinhos
carmo
a cidade está parada
só eu me movo
por entre as palavras mal-amadas
que povoam o centro de cada rua
a cidade está sitiada
só eu escapo
fingido de árvore moribunda
arrancada ao chão
ou jornal proscrito
voando sobre a escuridão
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