02 julho, 2010

como um poema-espelho



















Imagens de Heduardo Kiesse (ParadoXos )(ver aqui) a quem muito agradeço a cedência destas composições de criatividade ímpar...



...nunca sei por que palavra encetar o sentido dos dedos que se encaminham na linha do que escrevo....é sempre no nada que os rumores do traço acontecem entoando sons de cascos entre silvas e só depois, um pouco acima do chão se iniciam os sinais da poeira e da palha onde o umbral é silêncio e é palavra...não importa como nem onde essa palavra se revela ....desde que produza um som e se articule harmoniosamente a um suporte que seja sonho da matéria em movimento....
...mas isto tudo para te falar sobre os abrigos que construímos desde o acto primeiro de nascer....lembras-te do desamparo do primeiro grito e da sensação de vazio em queda que os teus membros experimentaram com a projecção do ventre materno que te fez chegar ao mundo? e como esquecer aquelas mãos que te tocaram o corpo erguendo-o como um animal vertical em direcção ao sonho?

...penso naqueles dois seres imaginando-se...sentindo a origem e a força do amor....as entranhas da terra, a união ao espaço....esse acto primordial que reflectirá (re)produzindo essa imagem infinitamente...

.....sim, somos a construção sucessiva de abrigos que se ligam como braços, fios exteriores que formam nós e que podem até atingir correntes exaustas de uma escada já sem degraus....

há um abrigo por dentro que pode equilibrar essa forma de gravidade íntima, uma espécie de extensão infinita entre as tuas mãos vazias e o que podes segurar....a voz que no interior se ergue como uma flor serena...a sede que só tu podes saciar com o ofício das mãos ....um poema....um abrigo de papel, um abrigo de tinta, um abrigo de todos os pensamentos - do nascimento à morte, sem te deteres em qualquer deles....

poderás ser o teu abrigo... um verbo tranquilo, o fogo da casa...próximo de ti... um poema-espelho...

Gisela Ramos Rosa, 03-07-2010



15 comentários:

El Viejo @gustín disse...

Bellisimo.
hay uno abrigo interior, que puede equilibrar esa forma de gravedad íntima, una especie de extensión infinita entre tus manos vacías y lo que puedes tomar....la voz que en el interior se erige como una flor serena...la sede que sólo tú puedes saciar con el ofício de las manos ....un poema....uno abrigo de papel, uno abrigo de tinta, uno abrigo de todos nuestros pensamientos, desde el nacimiento hasta la muerte, sin dentenerse en nunguno de ellos.
Besos

Gisela Rosa disse...

Agustin,

que maravilha poder ler as minhas palavras na tua língua....Toda a poesia me parece mais real nessa língua que falas......

Muito obrigada de coração Viejo. Dás-me o sabor das (minhas) palavras.


Um abraço amigo

AC disse...

Belo o murmúrio das palavras em busca do seu enquadramento, muito boa a solução encontrada...

Bjs

Tania regina Contreiras disse...

Belíssimo texto, Gisela. A questão que colocas - me parece - é da própria gênese da criação. Leio teu texto e penso no outro, que li há pouco e comentei, que fala da interioridade, desse algo íntimo e intraduzível, que está além dos sentidos. Penso que tuas mãos escrvem sem que tua cabeça tenha antes elaborado, e talvez (devaneio eu) tenhas encontrado a forma de criar mais legítima, mais direta. Seu "criar" é o espanto da mente, dos olhos presenciando o nascer da palavra, ela por ela, nascendo sem interferências.
Reflexões profundas o teu texto suscita. Belo, belo, como sempre!
Abraços,
Tânia

Gisela Rosa disse...

AC, as suas palavras encontraram o sentido deste texto, a busca de enquadramento para a palavra....sim é isso...muito obrigada



Tânia é no (des)amparo das mãos que a criação pode surgir afecta à interioridade...obrigada um grande abraço

Anónimo disse...

é incrível como a força das palavras faz esse "durante" crescer infinitamente :) um grande beijinho, gisela. bom domingo!

myra disse...

nao tenho palavras,para estas palavras...fotos, adorei, beijos

Anónimo disse...

Gisela,

A arte é este eterno criar/recriar... mas quando se usa a originalidade assim, tira-nos de imediato qualquer quietude nos olhos... excita-nos os cinco sentidos... inspira-nos um despertar para o belo que estava ali, e que mesmo assim só um artista para nos "mostrar", para nos "apontar" com a ponta dos seus dedos afinados.

Encantada e inquieta, fui também ao ParadoXos comentar.

Bonita essa tua forma de fazer pontes para outros lugares.

E que bonito no teu texto esse teu jeito de entoar-nos abrigos.

Um meu abraço.
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Katyuscia

Gisela Rosa disse...

é mesmo alice,

a palavra renova o conteúdo de si própria quando inserida em determinado contexto...neste caso a palha, o chão, a cana, a poesia...

um beijo


Myra minha querida, sabia que gostarias das fotos de ParadoXos, "saltam à vista"....terno abraço


Katyuscia o abrigo é também uma ponte para os dedos....chegarem a outro lugar...um beijo e muito obrigada por toda a sua expressão...

Anónimo disse...

Belíssimas Palabra, Bonitas fotos. Un abrazo

Gisela Rosa disse...

Gracias José Alba pelo seu comentário...


saludos poéticos e amistosos

Heduardo Kiesse disse...

Gisela, deleito-me com a densidade e intensidade das tuas palavras... do que escreves brota HUMANIDADE, beleza e harmonia. cada parágrafo vai muito além do comum da escrita por ser fecundo e depurado... és tu
trazendo à tona
aquilo que para mim ainda é familiar!




já nao consigo deixar de ler...

:-)


beijo em ti



a poesia seja contigo!



Heduardo

Gisela Rosa disse...

Heduardo

Muito obrigada de novo pela cedência das imagens desta edição.
Achei muita graça à forma como terminas o comentário...

pois entendo como outros que os momentos em que a poesia e o acto da escrita acontecem ou podem estar no meio de nós, são um estado de oração, de prece, de encontro...


Um abraço e muito obrigada

Cravo de Carne disse...

Singelo o desejo de ser poema para o outro.
De ser a palavra que constrói, que se lê no coração e se transforma no mundo onde é possível viver, de forma plena, o durante.
De ser a emoção que trasnforma as nossas mãos vazias nas mãos cheias do outro...
Singelo o desejo...

Um abraço de cravo para si, Gisela!

Sentado no Fim de uma Âncora disse...

Rumores das palavras
Perscrutam no nada
Os traços que sempre acontecem

Excelente!