Imagens de Heduardo Kiesse (ParadoXos )(ver aqui) a quem muito agradeço a cedência destas composições de criatividade ímpar...
...nunca sei por que palavra encetar o sentido dos dedos que se encaminham na linha do que escrevo....é sempre no nada que os rumores do traço acontecem entoando sons de cascos entre silvas e só depois, um pouco acima do chão se iniciam os sinais da poeira e da palha onde o umbral é silêncio e é palavra...não importa como nem onde essa palavra se revela ....desde que produza um som e se articule harmoniosamente a um suporte que seja sonho da matéria em movimento....
...mas isto tudo para te falar sobre os abrigos que construímos desde o acto primeiro de nascer....lembras-te do desamparo do primeiro grito e da sensação de vazio em queda que os teus membros experimentaram com a projecção do ventre materno que te fez chegar ao mundo? e como esquecer aquelas mãos que te tocaram o corpo erguendo-o como um animal vertical em direcção ao sonho?
...penso naqueles dois seres imaginando-se...sentindo a origem e a força do amor....as entranhas da terra, a união ao espaço....esse acto primordial que reflectirá (re)produzindo essa imagem infinitamente...
.....sim, somos a construção sucessiva de abrigos que se ligam como braços, fios exteriores que formam nós e que podem até atingir correntes exaustas de uma escada já sem degraus....
há um abrigo por dentro que pode equilibrar essa forma de gravidade íntima, uma espécie de extensão infinita entre as tuas mãos vazias e o que podes segurar....a voz que no interior se ergue como uma flor serena...a sede que só tu podes saciar com o ofício das mãos ....um poema....um abrigo de papel, um abrigo de tinta, um abrigo de todos os pensamentos - do nascimento à morte, sem te deteres em qualquer deles....
poderás ser o teu abrigo... um verbo tranquilo, o fogo da casa...próximo de ti... um poema-espelho...
Gisela Ramos Rosa, 03-07-2010